quarta-feira, 10 de outubro de 2012

A mulher




      Fui a primeira a vê la e corri, corri com todas as minhas forças para alcança-la antes de qualquer outra pessoa. Lá estava ela, parada, esperando que eu me aproximasse para que pudesse encher a minha mente de sabedoria. Queria conversar com ela, perguntar sobre sua vida e como ela chegará ali, sozinha.
      Já quase sem fôlego, mas ainda correndo, vejo outra pessoa, ou seriam duas?, correndo na mesma direção que eu e me desespero. Começo a correr ainda mais, meus pés quase sem tocar o chão e sinto a respiração da minha colega de trabalho tentando me alcançar , cansada, mas sem perder a força que nos move, a estranha mulher, que continua nos encarando sem se mover. Vejo então a outra dupla parar por um momento e prendo a respiração, soltando-a apenas quando vejo os dois correrem para a direção oposta de onde estavam indo e dou um sorriso entre uma respiração e outra, ansiando o momento de poder ver de perto a mulher que nos espera.
       Estamos cada vez mais perto, podemos ouvir o som de sua respiração e...pera ai. Ela não está respirando, não está se movendo, apenas nos encara com a mesma admiração que nos encarava dois minutos atrás. Então reparo nos seus cabelos que parecem pedaços de arame enrolados, olho seus olhos brilhantes como botão, sua pele branca como papel e com um sorriso de descrença dou meia volta, pois sei que ela nunca irá contará seus segredos para ninguém.

(Crônicas de Paraty)

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Amiga Secreta




              Saio do quarto com a minha rotineira correria, mas não sem antes olhar para trás e ver a bagunça que toma conta do local. Meias jogadas, malas abertas, comida espalhada por todo o chão e até mesmo um banheiro quase alagado. Fecho a porta e saio correndo, com medo do monstro, ou melhor, da bagunça que criamos.
             Volto horas depois, preparada para enfrentar o nosso monstrinho e abro a porta do quarto. Quando vejo o que aconteceu com a confusão total que antes era nosso quarto, que agora está até mesmo brilhando, penso que estou maluca, ou vendo coisas, mas ai me lembro da nossa amiga secreta. Pra quem não se lembra, todos já tiveram uma amiga secreta. Ela é aquela pessoa, ou até mesmo aquela equipe secreta, que sempre aparece quando estamos longe e transformam nossa bagunça em algo que nem nós mesmos conseguiríamos fazer. É aquela pessoa que nunca prestamos atenção, nunca conversamos, nunca nem olhamos direito, mas sempre estão lá para arrumar o rastro de confusão que deixamos por onde passamos. Amiga imaginária é aquela que nunca falou com a gente, mas já sabe mais sobre a gente do que nós mesmos.
               Olho para as camas arrumadas, as malas guardadas, a comida toda organizada uma estante, o banheiro brilhando e anoto mentalmente que devo agradecer à minha amiga, mas minha cabeça anda tão bagunçada que logo esqueço meu dever...uma bagunça tão confusa e desorganizada que nem a minha amiga secreta poderia arrumar.

(Crônicas de Paraty)
          

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Êxtase



Estou encarando-o. Não queria, mas é impossível não olhar. Vejo gotas caindo  com leveza, vezes uma por uma, como se estivessem esperando a vez da outra para poder cair, vezes todas juntas , correndo contra o tempo. É como suor. Não, algo mais. É mágico. Olho para o interior, que é separado das mágicas gotas por uma fina camada, quebradiça, mas que o protege dos perigos daqui de fora. Reparo nas bolhas, que se movem, em sincronia, como se estivessem todas prontas para o espetáculo da vida. Quebro uma dessas bolhas e uma das gotas mágicas agora está nas minhas mãos.
Tudo isso é interessante, mas nada comparado ao que realmente é a atração principal. Marrom, as vezes preto ou até mesmo branco, esse líquido interessante, que causa quase uma sensação de êxtase quando finalmente deixamos descer garganta abaixo e que é o terror de muitas mulheres. Não importam as calorias, alto teor de sódio, não me importa se possa morrer ao ingerir essa maravilha, desde que ela esteja comigo, no frio e no calor, com gelo ou não, desde que fique comigo tudo ficará bem, afinal, quem consegue ficar triste com toda essa arte dentro de si? 


(Exercício: Unidade)

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Vou ou não vou?



Vou ou não vou?
Me pego olhando para os lados, esperando alguém ajuda-la, mas ninguém aparece. Talvez ela se encontre sem a minha ajuda, posso fingir que não vi nada e sair andando...mas e se ela realmente precisar de ajuda? Ela pode nunca mais encontrar o caminho para casa, e isso será minha culpa.
Olho novamente para seus olhos castanhos e perdidos, tentando encontrar algo, alguém, algum lugar e me vejo, perdida, no meio de uma cidade cheia de gente estranha e barulhos, sem saber para onde ir, sem nenhuma ajuda. Dou um passo hesitante ao encontro da menina. Estou cada vez mais perto, observando a reação dela. Será que ela vai estranhar? Afinal, gentileza é um produto em falta nessa cidade e não quero assusta-la ainda mais. Ela olha para os lados, a procura de ajuda, de alguém que possa orienta-la e sinto-me um pouco mais confiante a ajuda-la, acreditando que minha ajuda não será rejeitada. Dou mais alguns passos e finalmente estou tão perto que posso toca-la, e com um tom de voz meio incerto, pergunto se ela precisa de ajuda.
Estou esperando uma reação positiva, até mesmo um sorriso, mas acho que viajei nas minhas expectativa e quando me dou conta a menina já está longe de mim, correndo do perigo que eu nunca ofereceria a ela.

(Exercício: Olhar para fora)

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Por que?



Eu estava nos meus quatro anos de idade quando essa fase começou. Era tudo "por que". Por que vai sair com essa roupa? Por que eu não posso voar? Por que que você espirrou? Por que era a minha pergunta favorita, mas ao que parece, não era a da minha família.
Passou-se um ano e eu continuava com a minha mania do "por que?" pra tudo, mesmo quando eu não tinha nenhuma dúvida ou curiosidade, ele estava lá. Tinha uma época em que eu respondia tudo com "Por que?" e também comecei a usar o "Para que?" , só por gostar do jeito que soava quando eu falava.
Por volta dos cinco anos e meio, minha tia resolveu usar um "tratamento de choque" pra me fazer parar de falar tanto "por que?" e toda vez que eu perguntava qualquer coisa, todos repetiam "Puuuuuur queeeee?". Isso até que poderia ter sido um bom tratamento, mas eu achava tudo isso tão engraçado, que resolvi que nunca ia parar. E passou-se um ano, dois anos, três anos e a mania do "por quê" foi ficando menos constante, e mesmo que eu falasse pelo menos cinquenta vezes por dia, estava bom pra minha família...ou pra quase toda.
Minha tia continuou a rir de mim toda vez que eu fazia uma pergunta, e eu tenho certeza que vai continuar assim, mas eu não ligo, porque tia é tia e elas nunca mudam. Posso ter parado com a minha mania, mas eu nunca vou entender...Por que?